A Matriz Através do Tempo

Breve história de um lugar sagrado
Texto de Fernanda Bastos e Paulo Fernando Abreu
através dos escritos do diário de Frei Vitório de Cambiasca e Frei Jacinto

A Igreja Matriz de nossa cidade é mais que um templo religioso, bem mais que um cartão postal de uma pequena cidade: ela é um marco na nossa História. Através dela, tudo ao nosso redor foi construído: nossas casas, ruas, lojas, escolas, prédios de utilidade pública e tantas outras construções importantes. Nosso município nasceu ao redor desse templo, construído e fundado pelos primeiros habitantes desse território.


Tudo começou com Frei Vitório e Frei Ângelo, que eram padres Capuchinhos. Eles iniciaram em São Fidélis a obra missionária que consistia em “civilizar” e evangelizar os indígenas que aqui habitavam: os índios Coroados e Coropós, que viviam em guerra com os índios Puris. Daí a necessidade de se fazer um aldeamento no território. Batizaram o aldeamento de São Fidélis, naquela época considerado um protomártir da propaganda da fé, que era um órgão da Igreja direcionado às missões feitas com o objetivo de ganhar almas, sobretudo no “novo mundo”. São Fidélis foi o primeiro mártir da Igreja Católica a derramar sangue pela causa da fé. Isso acontece na época em que surge a reforma protestante, no século XV. Tendo em vista a missão do santo Fidélis, e tudo o que ele fez pela causa missionária, os Capuchinhos o escolheram para ser padroeiro da aldeia e assim batizar o local.

Pintura oficial da chegada dos frades na Gamboa (São Fidélis)

O aldeamento em São Fidélis foi feito perto do Rio Paraíba do Sul, onde o clima era ameno e facilmente podia ser abastecido com água e madeira. Mais de uma igreja foi construída na aldeia naquela época: em 1781 foi levantada a primeira, de pau a pique, e um ano depois construíram outra de pedra e cal. Eram simples e funcionaram até a inauguração do templo que temos hoje. Em 1808 foi inaugurada a Igreja Matriz de São Fidélis.
Vista da Igreja Matriz em 1815 pelo príncipe Maximiliano
Foram os índios que escolheram o local onde a Matriz foi construída. A frente da igreja está voltada para o Rio Paraíba do Sul, na direção leste. Essa decisão foi inspirada numa tradição judaica que prega a vinda de Deus pelo leste (direção onde o sol nasce) para o julgamento final. A planta arquitetônica foi traçada por Frei Vitório. Para a construção, com a ajuda de fazendeiros e moradores locais, foi feita uma olaria para fabricação de tijolos de argila. Padres, indígenas e escravos trabalhavam pesado: puxavam carros cheios de pedras, enformavam e desenformavam os tijolos, deslocavam-se mata adentro para buscar lenha, entre outras atividades.

Tijolo projetado em olaria pelos frades, índios e escravos, 
utilizado para a construção da Igreja

Após o fim da construção, o templo tomou proporções tão grandes, que impressionava quem passava por São Fidélis. Personalidades históricas de renome internacional registraram a beleza do prédio. Um deles foi o pintor francês Jean-Baptiste Debret. O príncipe da Renânia (território hoje equivalente à parte oeste da Alemanha), Maximiliano Wied-Neuwied, esteve no Brasil no século XIX e escreveu um dos registros históricos mais famosos e antigos que temos sobre o nosso país. No livro “Viagem ao Brasil”, que é comercializado até os dias de hoje, encontramos um relato do príncipe sobre os indígenas que aqui habitavam.


Depois de pronta a Matriz, Frei Vitório pintou vários afrescos ao longo de toda a igreja. Os quatro evangelistas, pintados ao redor da cúpula são de autoria do Capuchinho. Outras telas foram pintadas pelo Frei, uma delas retratava a história de um negro que ia ter um de seus braços esmagados pelo moedor de cana. Após clamar a intercessão de um santo, o moedor parou e o negro teve a mão preservada. Essa pintura, infelizmente, não existe mais. Muito do que vemos hoje não está de acordo com a obra de arte arquitetônica construída pelos Capuchinhos, negros e indígenas. 

Os quatro evangelistas em meio as pinturas 
"novas", após a reforma

O piso da Matriz, por exemplo, era de tábua corrida e assim permaneceu até os anos de 1960. Este mesmo piso, que serviu de chão para personalidades históricas como D. Pedro II, Debret e o príncipe Maximiliano, transformou-se em cercas para muitas fazendas da região. Por trás de onde hoje está o Sacrário, havia uma tela, pintada à mão por Frei Vitório. Ela ilustrava o martírio de São Fidélis. Essa mesma tela foi dada em troca de benfeitorias. A pintura que hoje podemos ver é uma reprodução feita nos anos de 1980.

Primeira pintura, feita por Frei Vitório.
Ao longo desses 208 anos de existência, o prédio sofreu inúmeras reformas, algumas necessárias, outras não. A primeira aconteceu poucos anos após a inauguração quando um engenheiro diagnosticou que a estrutura da igreja estava danificada devido ao material usado para construí-la. Os Capuchinhos, índios e negros utilizaram tijolos de argila, bambu e óleo de baleia para erguer o prédio. Os tijolos de argila absorviam toda a água da chuva, o que causava inúmeras infiltrações no prédio. A solução para impedir a demolição da igreja foi aterrar as catacumbas que existiam no subsolo. Elas tinham sido feitas para sepultar os padres, freis e demais religiosos locais. Anos mais tarde, foi diagnosticado um problema na cúpula da igreja. Alguns especialistas apostavam que ela iria cair. A fim de tentar sanar o problema, um anel de ferro, fabricado fora no Brasil, foi instalado em volta da cúpula central. A maior de todas as reformas ocorreu em 1960, em que além do piso de madeira ter sido substituído pelo mármore que hoje vemos, as pinturas originais foram cobertas pelas atuais.

Somos donos de um templo histórico. Um local construído com suor, sangue e fé. Isso deve ser o bastante para preservamos a casa de Deus, que é nossa também. Zelar pelo cuidado, pela história e pela preservação da Igreja Matriz, também é um ato de fé.


Att.
Pastoral da Comunicação.

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